Você já sentou em uma cadeira, pegou um livro na estante e, por um instante, imaginou como seria ver a sua própria capa ali? Não como um devaneio distante, mas como uma possibilidade real e palpável. É comum acharmos que escrever um livro é um dom para poucos, um caminho reservado a gênios iluminados ou a pessoas com vidas extraordinárias. Mas e se eu te disser que essa é uma das experiências mais democráticas, transformadoras e profundamente humanas que existem? Escrever um livro não é sobre se tornar um best-seller da noite para o dia. É sobre a jornada. É sobre o processo de se sentar consigo mesmo, com suas ideias, suas memórias e sua voz única, e dar forma a algo que só você pode criar. É uma aventura intelectual, emocional e espiritual que todos, sem exceção, deveriam se permitir viver. E os motivos vão muito além do simples ato de "escrever". Prepare-se, porque vamos desvendar juntos por que pegar a caneta (ou abrir um documento novo) pode ser uma das decisões mais incríveis da sua vida.
VOCÊ SAIRÁ DESSA MAIS INTELIGENTE DO QUE ENTROU
Imagine que a sua mente é um músculo. A rotina do dia a dia, por mais dinâmica que seja, tende a exercitá-lo sempre da mesma forma. Agora, imagine começar um treino completamente novo, que desafia grupos musculares que você nem sabia que existiam. Esse é o efeito de escrever um livro. O processo de construção de uma obra, independentemente do tema, é um mergulho forçado — no melhor sentido da palavra — no oceano do conhecimento. Se você está escrevendo uma ficção científica, não basta ter uma boa ideia; você precisará pesquisar sobre física teórica, sociologia de civilizações futuras, ou a psicologia por trás de seus personagens alienígenas. Se o seu projeto é um livro de negócios, a busca por cases, dados, estatísticas e teorias de gestão se tornará parte da sua rotina. E se for uma memória familiar? Aí está uma jornada de garimpo em cartas, fotos, entrevistas e contextos históricos. Mas a mágica não está apenas na quantidade de informação nova que você consumirá. Está na forma como o seu cérebro começará a funcionar. A "busca automática" que você mencionou é, na verdade, o surgimento de uma nova mentalidade. Você assistirá a um filme e notará a estrutura narrativa por trás da trama. Lerá uma notícia e enxergará nela o embrião de um capítulo. Conversará com um amigo e uma simples frase dele poderá se tornar o diálogo perfeito para sua protagonista. Escrever um livro é, portanto, um curso acelerado sobre... tudo. É um processo que aguça sua curiosidade, refine seu senso crítico e expande seus horizontes de uma forma que nenhum outro hobby ou profissão é capaz de fazer sozinho. Você termina a última página do seu manuscrito não apenas como um autor, mas como uma versão mais sábia, conectada e informada de si mesmo.
Nunca, em toda a história da humanidade, existiu alguém exatamente como você. Sua combinação de genes, experiências, amores, perdas, alegrias e lições aprendidas é absolutamente singular. E é essa singularidade que o mundo está, mesmo sem saber, esperando ler. Pense no seguinte: mil pessoas podem presenciar o mesmo acontecimento — um pôr do sol, um acidente de carro, um beijo. Haverá mil relatos diferentes, porque cada uma delas filtrará aquele momento através de sua própria lente emocional, cultural e pessoal. Agora, transporte isso para a escrita. Se mil autores decidissem escrever sobre o mesmo tema — digamos, "o fim de um relacionamento" —, teríamos mil livros radicalmente distintos. Um seria uma tragédia densa e melancólica. Outro, uma comédia libertadora. Um terceiro, um thriller sobre segredos descobertos. A sua forma de narrar, o ritmo que você escolhe, as palavras que ressoam com a sua alma, os detalhes aos quais você dá importância... tudo isso é uma impressão digital da sua consciência. Seu livro, seja uma ficção fantástica, um guia de culinária ou uma biografia, será inevitavelmente impregnado de você. A forma como sua avó cozinhava, o cheiro da chuva que você tanto ama, aquele medo irracional da infância, sua opinião política, sua fé, suas dúvidas — tudo isso escorrerá para as entrelinhas, dando textura, cor e verdade à sua obra. Escrever um livro é, portanto, um ato de coragem que afirma: "Minha voz importa. Minha perspectiva tem valor." É presentear o mundo com um fragmento de consciência que, se não for compartilhado por você, se perderá para sempre.
Agora, vamos falar de um dos benefícios mais profundos e, por vezes, mais inesperados da escrita: o seu poder de cura. E vamos começar com o alerta, que é crucial: a escrita NÃO substitui a terapia ou o acompanhamento de um psicólogo. Ela é uma ferramenta complementar poderosa, um co-piloto na jornada do autoconhecimento, e não o motorista principal. Dito isso, mergulhar na escrita de um livro é embarcar em uma das formas mais intensas de diálogo interno. Quando você constrói personagens, você inevitavelmente empresta a eles pedaços de si mesmo — seus medos, seus desejos, suas virtudes e, principalmente, suas sombras. Ao dar vida a uma cena de conflito, você pode estar, inconscientemente, ensaiando a resolução de uma dor pessoal. Ao descrever uma paisagem de paz, você pode estar criando um refúgio para a sua própria alma. O processo é, por natureza, catártico. Você se pegará cavoucando em memórias há muito adormecidas, tentando entender por que aquele personagem é tão teimoso, ou por que aquela cena de reconciliação é tão emocionante para você. Você estará, na verdade, fazendo arqueologia da própria psique. A história que você está contando na página é, em muitos níveis, um reflexo da história que você está contando para si mesmo. "Escrever algo é sempre reescrever algo." Essa sua percepção é genial e absolutamente verdadeira. A cada revisão, a cada ajuste no enredo, você não está apenas polindo palavras; está reprocessando experiências, encontrando novos significados para velhas feridas e celebrando, de novas formas, as alegrias que marcaram sua vida. É um exercício que obriga você a se organizar, a dar sentido ao caos e a se entender como o herói, o vilão e o narrador da sua própria jornada.
Somos todos passageiros. É uma verdade crua e bela da condição humana. Nossas vidas são finitas, e nossas memórias, na maioria das vezes, sobrevivem por duas, talvez três gerações na voz de nossos familiares. Depois disso, tornamo-nos uma fotografia desbotada, um nome em uma árvore genealógica. Mas uma ideia... uma ideia pode ser eterna. E o livro é a cápsula do tempo mais poderosa que a humanidade já inventou. Você já parou para pensar no verdadeiro milagre que é segurar nas mãos um livro escrito por Machado de Assis no século XIX? Você está conectado com a mente de alguém que viveu em um mundo completamente diferente, sentindo suas angústias, suas ironias e suas percepções que, de alguma forma, ainda ecoam hoje. Agora, inverta a perspectiva. Na era digital, essa imortalidade se tornou ainda mais acessível. Suas palavras, uma vez publicadas, podem viajar pelo mundo e pelo tempo de uma forma que nossos antepassados nem sonhavam. Daqui a duzentos anos, um jovem em um dispositivo que ainda não foi inventado pode estar lendo o seu livro. Ele pode se identificar com a sua luta, se inspirar na sua superação, ou simplesmente se perder no mundo de fantasia que você criou. O seu legado não será apenas o que você acumulou, mas o que você compartilhou. O livro é a sua semente no futuro. É a sua voz ecoando no corredor do tempo, dizendo "eu estive aqui, eu senti isso, eu pensei nisso, e minha existência fez diferença". É a chance de conversar com o amanhã e deixar uma marca que vai muito além do seu tempo sob o sol.
Escrever um livro é uma declaração de guerra contra a mediocridade, o esquecimento e a ideia de que a nossa passagem por aqui não deixa marcas. É um convite para você se conhecer, para desafiar sua inteligência, para celebrar sua singularidade e para plantar uma árvore cuja sombra você talvez nunca venha a sentar, mas que abrigará gerações futuras. O mundo não precisa de mais um livro. O mundo precisa do seu livro. Porque há uma história, uma ideia, um universo inteiro dentro de você que só espera pelo convite para ganhar vida. Então, qual será a primeira palavra?
O papel das tecnologias digitais e sua provável relação com a transformação dos hábitos de leitura
Recolher, escolher, captar com os olhos, esse é o significado etimológico de ler, que deriva do latim lego/legere. É sabido que a leitura é um importante instrumento de desenvolvimentos humano, e não só intelectuais ou culturais, o hábito da leitura aumenta nossa capacidade de reflexão, senso crítico, além de nos proporcionar mais conhecimentos gerais, enriquecer nosso vocabulário, instigar nossa imaginação e criatividade, sendo a base para o entendimento e aprendizado de qualquer outra ciência.
Para que possamos compreender a evolução no processo de leitura é interessante que conheçamos a evolução da escrita anteriormente aos livros. Considerando a escrita como forma de registro e / ou comunicação, os primeiros suportes para a escrita, na antiguidade, eram as tabuletas de pedra ou argila, que foram substituídas pelos papiros, que por sua vez, deram lugar aos pergaminhos e ao códex, mas o maior avanço para a disseminação do processo de escrita e leitura deu-se no século XIV, através da impressão e com Gutenberg e a invenção da tipografia, no século XV, possibilitando a reprodução das obras.
Com o passar do tempo, essa acessibilidade no modo de fazer, possibilitou a confecção de livros cada vez mais portáteis, fazendo com que além de instrumentos de conhecimentos, os livros também se tornassem opção de entretenimento e lazer. Finalmente no século XX somos apresentados às tecnologias que vão alterando ou remodelando nossas “formas de fazer”, de consumir conteúdos, como o rádio e a televisão e, por fim, a mais transformadora das tecnologias, a internet, que mudou nossos hábitos em várias esferas e hoje é, possivelmente, o maior instrumento de comunicação, estudos, lazer e entretenimento.
Ler não se resume a consumir informações, ler é um exercício cerebral e o hábito da leitura traz grandes benefícios, como a ativação de sinapses cerebrais que estimulam o raciocínio e a memória.
O hábito de ler, além de estímulos fisiológicos como os citados, também é uma ferramenta de desenvolvimento criativo, de alívio ao estresse, de melhoramento na comunicação, fortalece a capacidade concentração, desenvolve a empatia além de estimular o pensamento crítico.
Como toda novidade, a leitura foi primariamente restrita à determinada parcela da sociedade, em meados do século XVI já existiam livros populares em várias regiões da Europa, mas foi no século XIX que os editores começaram a produzir massivamente pela ascensão de novos públicos, como a classe trabalhadora, as mulheres e crianças, popularizando jornais, revistas e livros escolares.
É contraditório, ouvimos a todo o momento que o “povo não tem o hábito de ler”, claramente se referindo a dispor de tempo no seu dia para parar e ler num livro, mas dados recentes mostram que existe uma crescente busca por literatura, muito impulsionado pela facilidade, e menores valores, dos livros eletrônicos, além de um notado aumento na busca por publicações físicas.
A verdade é que a leitura é uma prática quase constante, nos comunicamos por mensagens de texto, “passeamos” pelas redes sociais e pelos tabloides consumindo várias manchetes, curtimos aquela frase inspiradora ou aquele desabafo, são tantas e tantas informações, fáceis e a qualquer momento, mas, será que isso tem sido benéfico para as pessoas?
A forma que cada indivíduo prefere consumir seus textos é algo estritamente pessoal, porém existem estudiosos que defendem determinadas visões quanto ao meio utilizado na leitura e possíveis influências no processo.
Roger Chartier defende que a internet pode ajudar os jovens a conhecer a riqueza do mundo literário, para ele, hoje em dia, o essencial da literatura passa pelas telas, mas não concorda com o fim próximo, dado como certo por muitos, dos livros impressos, pois nas telas, de computadores, tablets, smartphones, têm sim texto, mas também tem imagens, jogos, vídeos, ou seja, uma grande quantidade de distrações. Chartier diz que dessa forma a leitura dá-se de forma fragmentada, os textos são lidos como unidade separada de informação, antagônica aos livros impressos, que dão a percepção de totalidade, coerência e identidade da obra ao leitor, sinalizando que seria dificultoso um contato profundo numa leitura no computador, por exemplo, com uma obra de Machado de Assis.
Claramente é inevitável que a leitura por meios digitais seja parte integrante das nossas vidas, as leituras online e rápidas têm demanda crescente e isso não há sinal de mudança para um futuro próximo. Maryanne Wolf reconhece que os benefícios da leitura online para agilizar e democratizar a transmissão de informações é inegável, mas ressalta a consciência quanto à capacidade de leitura, retornando à preocupação com a capacidade analítica daquilo que se lê.
Essa preocupação tem sido objeto de vários estudos, em artigo no jornal britânico The Telegraph intitulado: Como a internet está nos fazendo mais estúpidos, Nicholas Carr traz dados obtidos em anos estudando pesquisas científicas, das quais as perspectivas devem, no mínimo, servir de alerta. No artigo Carr ressalta que moldamos o funcionamento de longo prazo dos nossos neurônios de acordo com a forma que o exercitamos diariamente, causando o fortalecimento de determinadas características em detrimento de outras. Observa a nossa evolução na capacidade multitarefas, evoluída pelo mundo informacional, trazendo superficialidade na capacidade de atenção, pois desenvolvemo-nos cada vez mais executando diversas atividades simultâneas, isso proporciona dificuldades de absorção de textos ou ideias complexas, devemos sempre rumar ao equilíbrio e a leitura, preferencialmente num meio impresso, tende a ser essa ferramenta de balanceamento da concentração. Nem tudo é ruim, nem tudo é bom, Moran (2008) argumenta que é a manipulação das informações que condiciona ao leitor aprender o que é útil ou não.
“O estar no virtual não é garantia de qualidade (esse é um problema que dificulta a escolha), mas amplia imensamente as condições de aprender, de acesso, de intercâmbio, de atualização. Tanta informação dá trabalho e nos deixa ansiosos e confusos. Mas é muito melhor do que acontecia antes da Internet, quando só uns poucos privilegiados podiam viajar para o exterior e pesquisar nas grandes bibliotecas especializadas das melhores universidades. Hoje podemos fazer praticamente o mesmo sem sair de casa.” (MORAN, 2008)
Maryanne Wolf reforça que o embate “tela x papel” não deve ser visto de forma binária, podem ser complementares, basta que se saiba qual o propósito de determinada leitura e qual a forma mais adequada ao leitor de fazê-la, não é questão de uma ser melhor que o outro universalmente, mas sim de compreender o comportamento do nosso cérebro para cada meio e entender o porquê de determinada leitura. "Se eu precisar ler algo simples e superficial, a tela é ótima. Mas se for algo complexo, que necessite de um olhar sob diferentes perspectivas, em que precise discernir o verdadeiro valor da informação, então tenho de pensar se o meio vai promover o processamento mais lento e profundo de uma análise crítica.", observa Wolf, sendo assim conclui que não há uma receita universal para preservar a habilidade de leitura crítica, mas sim a necessidade de prestar atenção a nossos próprios hábitos e aos das crianças.
Em tese não existe opção melhor, o meio pelo qual se pratica a leitura é uma escolha pessoal, sendo uma questão de preferência ou circunstância. Tive acesso a diversos estudos para a construção desse artigo que defendem a utilização de mídia impressa quando existe a necessidade de maior concentração ou interpretação mais profunda da leitura, estudos feitos com amostragens consideráveis, mas mesmo com toda essa informação acessada ainda sou leigo, não sou um estudioso da neurociência ou algo assim, mas sou um bom observador e curioso.
Posso falar sobre as minhas preferências, gosto de ter o livro físico em mãos, folhear páginas, tenho dificuldades de me concentrar na leitura em meios eletrônicos, talvez o cansaço maior na vista causado pela luminosidade das telas seja um dificultador de um maior consumo de mídia digital.
Sou entusiasta dos meios analógicos, tanto para a produção quanto para o consumo literário, eu enquanto escritor prefiro fazê-lo à mão, sem as sugestões que um editor de textos de um smartphone me daria, buscando fidelidade da minha ideia na entrega de um texto, sem interferências tecnológicas, assim como prefiro ler num impresso e fazer minhas anotações, sem buscar por referências enquanto leio, como costumo fazer simultaneamente quando leio por meios digitais.
Todos os estudos que acessei traziam uma visão próxima, expondo as vantagens da facilidade de acesso às informações que a tecnologia proporciona, e os perigos causados pelas múltiplas distrações que a mesma tecnologia traz.
Por experiência pessoal e observação de crianças próximas, tendo a acreditar que as crianças que são estimuladas à leitura têm um melhor desenvolvimento da comunicação, tanto na riqueza do vocabulário quanto na clareza de suas expressões, costumam ter maior criatividade, recheando suas histórias de ludicidade, já aquelas que “nascem” com um smartphone na mão tendem a não conseguirem começar e terminar um diálogo, são comumente desconexas, falando sobre temas aleatórios numa mesma frase, acredito que pelo excesso de informações a que estão submetidas, e terão mais dificuldade na alfabetização pela apresentação precoce à assistente de voz, afinal, julgam não precisar aprender a ler ou escrever.
Enquanto profissional da literatura também consigo notar a diferença textual através das gerações, no geral, escritores acima dos quarenta anos tendem a se utilizar de palavras mais incomuns, sentidos figurados, nos proporcionam leituras interpretativas, já àqueles próximos da casa dos vinte anos tendem a escrever textos mais curtos e diretos, normalmente tentando causar impacto identitário. No processo de revisão é mais natural encontrar erros nos escritos dos mais jovens, independente do grau de instrução, são normalmente mais prolixos também, apresentando certa dificuldade de concatenar ideias quando se propõem a elaborar textos mais volumosos.
Minhas experiências com divulgação de textos na internet me permitiram observar também a maior capacidade interpretativa do público de faixa etária maior, parecem possuir maior sensibilidade poética e maior abertura a discutir o contraditório, os mais jovens costumam se portar como censores ou fiscais de conteúdo, são problematizadores e hipersensíveis, evitam o diálogo com o contraditório e costumam refutar um argumento com um bloqueio, isso se reflete no segmento literário que costuma produzir best sellers no país, em geral, há anos, basicamente livros que dizem aquilo que o leitor quer ler, sem grande necessidade de interpretação ou senso crítico, livros que vendem fórmulas e receitas de sucesso rápido ou felicidade infinita e, sinceramente, eu, pai de um futuro adulto, tenho certo temor por em qual mundo ideológico as crianças de hoje viverão quando adultas.